Foto: Flickr/Palmeiras)
Assim como em 2015, Santos e Palmeiras disputarão o título do Campeonato Paulista de 2024. Para entrar no clima da decisão, a Trivela conversou com Guilherme Ceretta de Lima, árbitro da última final estadual entre os dois rivais. Com muita sinceridade, o juiz relembra aquele confronto e detalha o empurrão que recebeu de Dudu ao expulsar o atacante palmeirense na Vila Belmiro.
Além disso, Ceretta, atualmente com 40 anos, conta sobre a decisão de abandonar a arbitragem no Brasil meses depois daquele jogo e fala sobre a expectativa de se tornar um dos árbitros efetivos das competições nos Estados Unidos, onde mora há nove anos.
Santos e Palmeiras vão decidir o Paulistão pela primeira vez desde a edição de 2015. Como foi aquele jogo?
— Tiveram várias coisas naquela partida. Pelo que me lembro, cartões amarelos para Valdivia e Dudu logo no início. Depois, as expulsões do Dudu e Geuvânio, juntos. Mais tarde, a expulsão do Victor Ramos. Posteriormente, os pênaltis. Foi legal como um todo. Fui considerado o melhor árbitro do campeonato depois daquele jogo. Então, a lembrança é mais positiva do que negativa.
Foi o jogo mais agitado da sua carreira?
— Foi um dos mais agitados que apitei. Tanto quanto aquele São Paulo e Corinthians em que o Rogério Ceni marcou o 100º gol. Ali também tiveram três expulsões. Clássicos não têm jeito, sempre ficam marcados.
Você se arrepende de alguma decisão da final de 2015?
— Erros e acertos vão ter muitos, mas as melhores decisões para aqueles momentos foram tomadas. Nos lances capitais não tinham outras decisões a serem tomadas. Em lances menores, talvez sim. Mas nos capitais não. Só quem está lá dentro sabe o que precisa ser feito para controlar a partida. Hoje está tudo mais fácil, tem o VAR que te auxilia bastante. Lá atrás não. Você tinha que morrer com a sua decisão de campo.
Naquela final tivemos o episódio com o Dudu, em que ele lhe empurra pelas costas. Como foi aquilo?
— Foi péssimo. Para nós, da arbitragem, foi muito ruim. O jogador perdeu completamente o respeito. Nenhum árbitro faria isso com um jogador. Não sou de julgar, mas, na minha opinião, ele teve uma conduta completamente infeliz por conta de uma uma decisão de campo. Processei ele por danos morais, em razão de tudo aquilo que me trouxe de prejuízo como árbitro. Ficou muito ruim para mim. Onde eu ia só se falava disso.
Você lembra de detalhes da expulsão?
— Ele (Dudu) já tinha cartão amarelo e vinha se estranhando com o Geuvânio em todo lance. Depois de uma cobrança de falta na área, eles se empurraram, trocaram cotoveladas e resolvi expulsar os dois.
Você achou a punição aplicada ao Dudu pequena?
— Aquilo foi um absurdo. O Tribunal de Justiça Desportiva de São Paulo (TJD-SP) aplicou 180 dias de suspensão e, do dia para noite, ou sei lá o quê, reduziram. Isso só abriu precedentes para acontecer mais vezes. No Brasil, eles não cuidam do próprio produto deles. É uma bagunça organizada.
Vocês chegaram a conversar depois do ocorrido?
— Nunca conversamos. Fiz o meu trabalho de jogo. Se ele discorda, é indiferente. Nunca me ligou ou me procurou. E eu, cá entre nós, não tenho motivos para ir atrás dele. Eu esperava outra conduta dele.
No seu entendimento, o episódio com o Dudu atrapalhou a sua carreira?
— Ajudar, não ajudou em nada. Não tem lógica o melhor árbitro do Paulistão só estrear na 6ª rodada do Brasileiro, por exemplo. E foi isso que aconteceu comigo.
Ainda guarda mágoa dele? Aceitaria conversar se fosse procurado pelo Dudu atualmente?
— Não guardo mágoa, mas não é meu amigo, nunca foi e dificilmente será. Evito até de falar o nome dele, porque não me faz bem. Prefiro me referir a ele como jogador do Palmeiras. Se ele me procurar hoje, vai me surpreender. Faz muitos tempo já. Acredito muito em Deus e aqui se faz, aqui se paga.
E como é apitar uma final de Campeonato Paulista na Vila Belmiro?
— Falando especificamente de Santos e Palmeiras, esse foi um dos clássicos que mais fiz. É maravilhoso. Vivenciar o pré-jogo dessas partidas é saber tudo que está acontecendo. Saber quem joga, as diferenças de temperamento dos treinadores e dos atletas, pensar nas características dos seus companheiros de arbitragem no jogo… é muito legal. Com a experiência, tudo isso se torna muito bom.
A Vila, pela proxmidade da torcida, deixa o clima mais especial ou mais tenso do que em outros estádios?
— Não sei, porque eu nunca apitei uma final em outro estádio. Fui árbitro de duas decisões do Paulistão: a primeira em 2013, entre Santos e Corinthians, e a segunda em 2015, entre Santos e Palmeiras. E ambas foram na Vila Belmiro. Mas eu acho que não muda muito, porque hoje em dia a segurança é muito boa. E é gostoso pela proximidade das arquibancadas. Por outro lado, tem menos gente presente nas arquibancadas. Se os torcedores ficassem próximos como é e com mais gente torcendo seria ainda melhor.
A Vila está entre os lugares mais difíceis de apitar?
— Está entre os mais gostosos. É emblemático trabalhar lá. Estar no templo do futebol, no lugar em que o Pelé jogou é diferente. Para quem gosta do futebol, é um prazer estar ali dentro. É bom estar em outros estádios, mas a Vila Belmiro tem uma magia ímpar.
Como está a sua carreira atualmente?
— Fiz um jogo da Major League Soccer (MLS) recentemente entre Austin e Saint Louis, porque teve um locaute dos árbitros locais e chamaram alguns profissionais de fora. O locaute terminou e vou aguardar. Teremos uma reunião na semana que vem, e existe a possibilidade de trabalhar em divisões menores como a United Soccer League (USL) para recomeçar. Aqui nos Estados Unidos só é permitido trabalhar com o green card – documento que dá ao imigrante, entre outros direitos, autorização para trabalhar em qualquer região do país – e consegui ele agora.
Estava há quanto tempo sem apitar?
— Eu nunca parei. Vinha trabalhando em jogos amadores e de ligas universitárias. Eu nunca quis parar de apitar. Vamos ver se tenho essa oportunidade de atuar na Organização de Árbitros Profissionais (PRO), que é a instituição que prepara os árbitros para as ligas dos Estados Unidos.
Quando parou de apitar no Brasil? E por que tomou essa decisão?
— Parei de apitar no Brasil entre abril e maio de 2015. A verdade é que depois daquela final entre Santos e Palmeiras eu apitei apenas mais um jogo. Tive um desentendimento após o jogo entre Coritiba e Flamengo e desisti largar a arbitragem no Brasil.
Desentendimento com quem exatamente?
— Fui o melhor do Paulistão em 2015, mas, inexplicavelmente, só fui escalado para trabalhar na 6ª rodada do Campeonato Brasileiro daquele ano. Durante o jogo não houve nada de errado. Porém, após a partida, tive um problema com a observadora da partida, que era a Ana Paula de Oliveira, e larguei.
Mas o que aconteceu para uma decisão tão radical?
— Estávamos com uma determinação de aplicar cartão amarelo a todo jogador que reclamasse de maneira mais acintosa com a arbitragem. E no decorrer do jogo, o Wellington Paulista xingou o bandeirinha, mas eu não vi e o bandeira também não me apontou nada. O lance só foi visto com clareza pela televisão. Ao final da partida, tivemos a nossa reunião habitual e a observadora não fez qualquer comentário sobre o ocorrido. Porém, o presidente da comissão de arbitragem, que viu o lance pela televisão, ligou e perguntou porque não tínhamos advertido o Wellington Paulista. Só então ela resolveu falar e apontar o suposto erro. Quando eu ouvi aquilo dela, pouco depois da nossa reunião, não aguentei. Discutimos e peguei 10 jogos de afastamento. Neste período decidi largar.
E como foi a escolha pelos Estados Unidos?
— Quando me casei vim passar a lua de mel aqui e desde então eu e minha esposa tivemos esse sonho. Os Estados Unidos são um país bom para viver. Quando ocorreu esse problema com a Ana Paula optamos por arriscar. Viemos com a cara e a coragem. Cheguei aqui querendo apitar imediatamente, mas fomos lidando com a realidade, as leis e as obrigações daqui. Foi demorado, mas agora estou apto para trabalhar profissionalmente.
Antes da estreia na MLS, você esteve envolvido em uma polêmica com o Inter Miami. O que aconteceu?
— Sim. Eu estava praticamente fora do quadro profissional de árbitros e, neste período, visitei vários estádios, vi diversos jogos da MLS. Eu nem imaginava que ia atuar na liga para falar a verdade. Em uma viagem ao Brasil, levei várias camisas dos times dos Estados Unidos e postei uma foto no Instagram com uns amigos usando a camisa do Inter Miami. Acontece que durante o locaute dos árbitros locais, me convidaram para apitar justamente o jogo do Inter Miami. O povo maldoso pegou essa foto dizendo que eu era torcedor do clube. Não sou torcedor de ninguém. Foi apenas uma coincidência. Ainda bem que os representantes da PRO entenderam e não me descartaram. Fui escalado para outra partida. Porém, sei que em jogo do Inter Miami não vou trabalhar nunca. E concordo com eles. Seria um risco desnecessário.
Como é apitar nos Estados Unidos? Qual a principal diferença para o Brasil?
— É a educação dos comandantes. É impressionante a maneira como o presidente da Pró, por exemplo, não tem vaidade. Existem situações no Brasil, que respeitamos, é claro, mas aqui é muito diferente. As pessoas nos Estados Unidos são muito unidas pelo esporte. A maior preocupação é sempre melhorar. Eles estão anos luz na nossa frente em termos de organização. São todos os clubes trabalhando em pró do produto deles. No Brasil um dirigente quer prejudicar o outro, e isso nos mantém quase estagnados.
Qual foi o seu melhor momento profissional?
– Difícil dizer. Tem fases em que você está bem e acerta tudo que marca. Mas tem outras fases em que parece que dá tudo errado. Com o tempo vai amadurecendo e ganhando respeito dos jogadores. Na final de 2015, por exemplo, eu me achava muito mais pronto como árbitro do que na final de 2013. Na verdade, eu era outro profissional. Me sentia muito mais árbitro. Então, por tudo que vivi, penso que o meu melhor momento foi em 2015.
E o mais difícil?
— Não sou frustrado por isso, mas não entrei na FIFA, em 2013, por política. Não foi uma questão técnica, de qualidade. Naquele ano eu estava pronto para ir à FIFA. Perdi a minha vaga na FIFA para árbitros que não eram melhores do que eu tecnicamente.
Qual foi o jogo mais marcante da sua carreira?
— Ah… teve o clássico entre São Paulo e Corinthians, em 2011, quando o Rogério Ceni marcou o 100º gol, as duas finais do Paulistão e os clássicos da Série A do Brasileiro. É difícil apontar um.
E o jogador mais chato?
— Jogador chato tem um monte. Difícil mensurar um. Eu jogando bola também sou insuportável (Risos). Então, não sei te apontar um nome.
Você é a favor dos árbitros concederem entrevistas após os jogos?
— Eu sempre achei que quanto mais o árbitro se esconde, mais apanha. Quando ele pode dar as caras, mostra que é ser humano. Nós, árbitros, temos frio na barriga, erramos, acertamos como jogador e treinador. Enquanto eu estava no Brasil, ficávamos tão blindados que parecia que íamos aos estádios para prejudicar X ou Y e ir embora. Ainda não decidiram colocar os árbitros para passar na zona mista após os jogos, mas acho que seria a melhor coisa. Poderíamos tirar todas as dúvidas da imprensa. Às vezes, os dirigentes descem a lenha e o árbitro não pode falar nada. Recentemente aconteceu com a Edina Alves depois de um jogo entre São Paulo e Santos. Está na hora dos árbitros falarem mais.