Foto: Reprodução/Instagram
Foi entre uma sessão e outra de treinos usando barras enferrujadas e sem o glamour das grandes academias que um dos maiores atletas do fisiculturismo brasileiro da atualidade viu sua vida se transformar. Era no Horto Florestal, em Rio Branco, no Acre, que Ramon Rocha Queiroz usava a atividade física como estímulo para amenizar as dificuldades que enfrentava aos 21 anos.
Desempregado e sem perspectiva de uma vida melhor naquele momento, Ramon nunca pensou que o fisiculturismo poderia ser sua fonte de renda e a chance de acabar com os problemas financeiros. O esporte, visto com certo preconceito até os dias atuais, transformou sua vida.
– Quando se inicia no esporte a gente tem um sonho. Quero chegar, quero chegar. Mas pelas condições a gente não acreditava que ia chegar tão rápido como chegou. Mas toda vez sempre sonhando estar com os melhores. E hoje em dia a gente consegue fazer isso. Demorou um pouquinho, mas chegou a hora – disse Ramon Dino, em entrevista exclusiva ao ge.
A próxima competição com a presença de Dino será o Arnold Classic, que será realizado em Ohio, nos Estados Unidos, de 29 de fevereiro a 3 de março.
A linha do tempo de Ramon tem início em 2016, quando foi descoberto durante o treino que fazia na capital do Acre, onde vivia com a família e tentava seguir uma rotina de atleta mesmo sem condições financeiras para ter um dieta regrada, por exemplo.
A alimentação diária se resumia a arroz e ovos, adquiridos no fiado – método informal de pagamento sem um prazo estabelecido ou contrato que garanta ao vendedor receber o dinheiro do seu produto.
Ramon garante que sempre pagou em dia o homem da barraca de ovos da feira de Rio Branco. O vendedor teve papel fundamental para o atleta amador se tornar em um dos principais nomes do fisiculturismo mundial.
– Eu sempre pegava uma cartela. A taberna do cara era na esquina de onde eu morava. Eu chegava e falava: “pai, eu estou sem condições, mas se você me arranjar esse ovo fiado tal dia eu consigo te pagar”, “tem como? Só quero ovo”. Ele se compadecia e falava para eu pegar. Eram seis refeições. Todas as seis tinham ovos. Primeira, oito ovos. Segunda, seis, sete ovos. Terceira, ovos e arroz. Quarta, ovos e arroz. Acho que foram algumas semanas assim, até subir no palco.
– Toda vez ele falava para eu pegar. Por dia, era uma cartela de 34 ou 36 ovos. Não encontrei ele depois. Inclusive, quero fazer uma surpresa para ele, levar uns negócios. Faz tempo que não vou lá. Toda vez que vou no Acre vou no meu pai, que é muito distante de onde eu morava. Mas vou atrás dele, é fácil de achar – relembrou Ramon.
Foto: Val Fernandes/Prefeitura de Rio Branco
O atleta amador que precisava comprar ovos fiado se transformou no “Dinossauro do Acre”, passou a se chamar Ramon Dino e ganhou o mundo sendo apontado como o grande candidato a encerrar a hegemonia de Chris Bumstead, canadense pentacampeão do Mr. Olympia, principal competição do fisiculturismo mundial e que terá a edição de 2024 em outubro.
Abaixo, o ge detalha boa parte da carreira de Ramon, mostra segredos da dieta e treino do atleta e revela o lado artístico do fisiculturista que é poeta nas horas vagas.
Início no Acre e dificuldades
O desemprego, a falta de dinheiro para levar uma vida de atleta e as dificuldades para viver no Acre foram alguns dos empecilhos enfrentados por Ramon Dino em seu início de carreira.
Mesmo diante de grandes obstáculos, principalmente na preparação para os torneios, rapidamente Ramon começou a se destacar e vencer os principais que disputava, até conseguir o cartão profissional que foi a porta de entrada para as primeiras competições da modalidade.
– Voltei para o Acre na esperança de ser patrocinado, na esperança de que tudo ia mudar. Mas fiquei triste, porque ninguém queria ajudar. Ninguém estava pronto para confiar no nosso trabalho. Veio a pandemia, fiquei uns dois anos sem competir.
– Cheguei a São Paulo graças a muitos amigos nossos, que fizeram rifas. Vendi muitas coisas minhas, também. Consegui juntar dinheiro e vim para cá. Conheci o Cariani, a Max Titanium. E eles me propuseram competir. Fomos competir no Europa Pro em 2020, ganhei também. Conseguimos a vaga para o Mr Olympia Brasil que é o campeonato que a gente sonha desde quando começa.
– Em 2021, fomos para o Olympia, ficamos em quinto lugar na nossa estreia. Contávamos em ficar entre os dez. Depois fomos para o Arnold Classic, ficamos em segundo lugar. Depois Olympia de novo, tiramos segundo lugar. Aí fomos para o Arnold de novo e tiramos primeiro lugar – relembrou Ramon.
Foto: Emilio Botta
Ramon Dino foi vice-campeão nas últimas duas edições do Mr. Olympia na categoria Classic Physique, que começou a ser disputada em 2016 e é considerada a mais clássica do campeonato, já que busca atletas de físico estético e harmonioso, levando em consideração o peso e a altura do competidor.
Veja as principais competições e resultados de Ramon Dino no fisiculturismo desde 2016:
- Campeonato Regional 2016 Men’s Physique (top 1);
- Campeonato Regional 2017 Men’s Physique (top 1);
- Mr. Olympia Brasil 2018 (top 1/overall) – IFBB Pro Card;
- Europa Pro 2021 (top 2)/vaga Mr. Olympia 2021;
- Mr. Olympia 2021 (top 5);
- Muscle Contest Brasil 2021 (top1)/vaga Mr. Olympia 2022;
- Arnold Classic 2022 (top 2);
- Mr. Olympia 2022 (top 2);
- Arnold Classic 2023 (top 1);
- Mr. Olympia 2023 (top 2).
Foto: Reprodução
A dieta e o treino de Ramon Dino
O cardápio montado para Ramon Dino depende da competição e do modelo de preparação escolhido pela equipe que trabalha com ele. Neste momento, são seis refeições diárias baseadas em 300 gramas de arroz e 250 gramas de carne moída.
– Ainda vai diminuir mais a comida, os treinos vão ficar mais intensos, porque voltei agora a treinar. Não posso forçar muito e gerar uma lesão no treino. E é isso que a gente mais evita. Eu não sou um cara de comer muito, então acho que eu comeria menos. Tem que ter muito apetite. São seis refeições – explicou Ramon.
Como é um esporte que mexe bastante com o corpo, as pessoas logo pensam que está usando algum tipo de coisa. Mas não vê o esforço que temos, que é o trabalho, dieta, treino e o descanso. Hoje estamos jogando na mídia para entenderem e valorizarem mais o nosso trabalho.
— Ramon Dino.
Foto: Emilio Botta
Os treinos são orientados por um coach que acompanha Ramon em cada sessão de exercício. Ao contrário do treino de uma pessoa comum em qualquer academia, o fisiculturista trabalha membros específicos nos dias em que faz atividade física.
– Em tese os exercícios são os mesmos, mas as variáveis são diferentes e trabalhamos de acordo com o que ele precisa para aquela região do músculo e da competição. Ele tem um nutricionista, eu trabalho o treino e em conjunto com ele trabalhamos para chegar em um melhor resultado possível. O pessoal busca o trabalho de exaustão, é bastante comum para o atleta de alta performance esse tipo de treinamento.
– O pessoal costuma tratar ele como um abençoado, o que ele realmente é, mas tem muito trabalho duro. E ele faz esse trabalho duro sempre. A especificidade dele é que com menos peso, menos estímulo e comida ele tem mais desenvolvimento. Eu carrego mais peso que ele eventualmente e tenho menos resultado, resposta estética. Aí está o componente genético que faz a diferença, mas ele tem a resiliência de treinar intensamente para ter os resultados e levar o Brasil para o mundo todo – disse o coach Felipe Pereira, conhecido “Faixa Preta”.
Foto: Reprodução/Instagram
Salário padrão jogador de futebol
O Brasil é o segundo país que mais movimenta o mercado de fisiculturismo no mundo. Segundo números da organização do Mr. Olympia Brasil, o país perde apenas para os Estados Unidos. São mais de 30 mil academias espalhadas em todo o território nacional.
O crescente interesse pela musculação e pelo esporte de alto rendimento ligado aos músculos tem sido importante para quem antes não vislumbrava ter uma carreira profissional no esporte.
Foto: Reprodução/Instagram
O profissionalismo em torno do fisiculturismo tem levado os atletas de ponta a terem rendimentos equivalentes aos de jogadores de futebol, por exemplo, podendo chegar a até R$ 400 mil mensais. Além disso, o interesse do público pelos atletas tem aumentado também a monetização via patrocinadores.
– É mais fácil agora ou antes para ti? Ela sempre pergunta para mim. E a gente valoriza muito isso. Sim (nível do futebol) e acredito que vai crescer muito mais. Porque desde quando comecei, o esporte não era tão bem visto, muito preconceito, muito desvalorizado. Hoje em dia a gente mostrando o nosso trampo, como ele é, as pessoas olham com outros olhos e começam a seguir mais esse tipo de vida.
O nosso patrocínio antigamente era pote de whey, blusa… os prêmios eram isso. Sacola com suplemento. Hoje em dia já te dão dinheiro, cartão profissional para competir e ganhar mais dinheiro
— Ramon Dino.
– Começam a atrair mais fãs, mais público, e com isso vem crescendo. O esporte hoje está mais em evidência. Cresceu muito no Brasil e conseguimos viver do nosso trabalho, que é o fisiculturismo. E é isso que aconteceu com a gente. E a nossa fé é que melhore mais ainda – revelou Ramon.
Foto: Reprodução
Ramon Dino tem quase seis milhões de seguidores somente em uma das redes sociais que mantém, além de diversos patrocinadores. O atleta que no início tinha de pedir fiado uma bandeja de ovos na feira agora tem a possibilidade até de ser dono de uma granja.
– A gente tem condições para isso (comprar a granja). Mesmo com a pouca condição que você tem, consegue. Se quiser, consegue fazer tudo o que tem vontade. Ser um atleta, ser o que quer de coração. Se batalhar, independentemente da sua condição, você consegue – disse Ramon.
Poeta e compositor nas horas vagas
Enquanto está longe dos halteres, anilhas ou qualquer equipamento de musculação, Ramon Dino usa o tempo livre para escrever poesias. Filho da professora Suzana da Silva Moura, o grandalhão usa papel, caneta e criatividade para escrever o que a rotina do dia a dia acaba deixando em segundo plano.
O ge teve acesso a duas letras de rap escritas por Ramon. O fisiculturista é fã do gênero musical e usa músicas de artistas consagrados como incentivo no dia a dia dos treinos, além de agora se arriscar como compositor (veja abaixo):
“Existem muitos caminhos a se trilhar
Somos como grandes estrelas na missão se encontrar
Temos muito a escutar, muito mais a se aprender
Eterno aprendiz na grandeza do meu ser
Somos parte de um todo procurando soluções
Sem ao menos perceber que se resolve em uniões
Respeitar opiniões, cada um tem suas razões
Uns buscam sabedoria outros buscam milhões
Milhões sem valor de espírito, sem valor humano
Mas dedico essa aqui para quem tá se arriscando
Sem medo de errar na intenção de ser melhor
O grande Deus está olhando cada gota de suor
E Ele é como uma criança que tem a esperança
Que tudo vai ser melhor se o amor for a liderança.”
Foto: @profitnessphotos
“Tão longe de ser caminhos
Pode parecer até fábulas quando eu saí do ninho
Conversei com um espíritos que atrapalhavam o sono
Botei no seu lugar porque não te sentia cômodo
Opiniões são vômitos que fedem pra caralho
As cartas já diziam, vai dar merda esse trabalho
Me envolvi com minhas vontades e senti o gosto amargo
Procurando por prazer esse caminho é bem largo
Todos querem o mais fácil, um dia também quis
Mas não achei desculpa pra umas merdas que já fiz
Sou eterno aprendiz, com a dor fiz amizade
Mas não dá pra confundir o amor com falsidade
O que vem de dentro arde e não precisa se ver
Olha no olho de quem faz tudo para estar com você
Independente da tua crença, se você é gringo ou jão
Mas não espera vir dos outros só bondade e gratidão.”
Casado há praticamente quatro anos, Ramon tem na esposa Vitória uma espécie de fortaleza, dentro e fora da casa. Cabe a ela organizar a agenda, as dietas e auxiliar na vida de influencer do fisiculturista. Tudo isso com dois filhos para cuidar.
– Eu conheci o Ramon assim que ele chegou em São Paulo pela segunda vez, vai fazer quatro anos. Desde que chegou em São Paulo, acabamos ficando juntos e logo depois construindo família. Hoje temos dois filhos, então isso já é bastante coisa. Minha mãe nos ajuda muito, comida de mãe é muito melhor. Dieta já não é fácil, mas que seja saborosa. Quando não é minha mãe, sou eu.
– Eu falo para o Ramon que em primeiro lugar pensamos na nossa família, nossos filhos, mas também falo da responsabilidade que ele tem diante de tantas pessoas que ele inspira e motiva. Hoje não é só por ele. Muitas pessoas olham para ele e se inspiram. Vamos continuar. Se Deus quiser o Olympia vem. E é sempre subindo – disse Vitória Viana.
Foto: Reprodução/Instagram
Academia privativa de R$ 7 milhões
Ramon Dino é um dos pouco mais de 20 atletas que usam a estrutura de uma academia que custou cerca de R$ 7 milhões e é uma espécie de centro de treinamento oficial dos profissionais de alta performance do fisiculturismo brasileiro.
O espaço em que Ramon treina pertence à Supley, maior fabricante de suplementos da América Latina. O grupo faturou R$ 830 milhões em 2022, e a projeção era superar R$ 1 bilhão em 2023. A empresa tinha como um dos sócios o influenciador Renato Cariani, indiciado por tráfico de drogas.
Foto: Emilio Botta
O acesso ao local é liberado apenas pelos atletas que são patrocinados pela empresa e seus cônjuges, além de influenciadores dos projetos da empresa. Alguns convidados frequentam a academia, que parece um grande estúdio de filmagem com atletas registrando e divulgando a rotina de treinos.
Além de Ramon Dino, outras personalidades do esporte frequentam o local como Horse, Gabriel Zancanelli, Rafael Brandão, Eduardo Correa, Ângela Borges, Pacholok e Paulo Muzy, por exemplo.
GE.