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Como nota de R$ 100, frase de Michael Jordan, caixas de som com vaias no treino e iguaria pernambucana foram usadas por Itamar Schülle para devolver o clube ao calendário nacional
Como uma nota de R$ 100, caixas de som com vaias no treino e a “sobremesa das freiras”, uma iguaria pernambucana, convergiram para recolocar o Santa Cruz no cenário nacional? Para contar essa história, é preciso conhecer, em detalhes, um dos principais responsáveis pelo renascimento do clube: o técnico Itamar Schülle.
Afinal, como motivar o elenco de um clube com um passado cheio de glórias, mas que passa pelo pior momento da história, com apenas uma competição para disputar e três meses de calendário na temporada? Pergunte a Itamar Schülle e ele vai te dar, no mínimo, dez maneiras diferentes e criativas. E o principal: que funcionam.
Neste sábado, certamente, Itamar terá uma tática especial para motivar o grupo. Às 16h30, Santa Cruz e Sport enfrentam-se no Arruda, pela primeira partida da semifinal do Campeonato Pernambucano. O jogo tem transmissão ao vivo da TV Globo para o estado de Pernambuco e ge para todo o Brasil.
Itamar Schulle faz selfie com torcedores em treino aberto no Arruda — Foto: Rafael Melo/Santa Cruz
A cara pode parecer sisuda no primeiro contato, mas o sorriso vem logo em seguida e quebra qualquer barreira. Fica ainda mais leve quando a inevitável associação é constatada: “Mas ele não é a cara do Tio Chico?”. Para quem não lembra, trata-se do personagem da série de filmes Família Addams, lançados na década de 1990.
Itamar certamente aprendeu a lição número 1 do colégio: não adianta lutar contra um apelido. Quando ele pega, é melhor aceitar. E foi assim que, em Pernambuco, em 2020, na primeira passagem pelo Santa Cruz, ele começou a ser chamado de Tio Chico pela torcida. Nada de reclamação, pelo contrário, adotou o personagem que até reflete um pouco da sua personalidade: inicialmente assusta, mas depois conquista.
Que digam os jogadores do Santa Cruz. O próprio treinador admite que é chato no dia a dia. Cobra forte nos treinos e jogos. Mas, por outro lado, equilibra as cobranças com dinâmicas, brincadeiras e um contato muito próximo, paternal mesmo. Foi dessa maneira que ele conseguiu motivar o grupo rumo à conquista da vaga na Série D.
“Quem quer aqueles 100 reais?”
Após o último jogo da primeira fase do Pernambucano, contra o Central, Itamar já começou o trabalho de motivação para a partida da segunda fase, diante do mesmo adversário. Para isso, usou uma nota de R$ 100.
Técnico do Santa Cruz usa nota de 100 reais para motivar elenco por vaga na Série D
Numa roda com o grupo, ele colocou a nota no centro e perguntou:
– Aquilo ali vale o quê?
Ele ouve a resposta que queria: – R$ 100!
Itamar então amassou a nota, jogou novamente no chão e perguntou:
– Agora eu amassei ela. Vale quanto?
Após receber a mesma resposta dos jogadores, ele vai além:
– Vou cuspir nela, continua valendo quanto?
De novo, ele ouve o coro: R$ 100.
– Agora eu vou fazer uma pergunta: quem quer aqueles 100 reais?
Todos gritam eu, mas o meia Matheus Melo foi o mais rápido ao tomar a atitude de pegar a nota. Satisfeito, o treinador chegou ao ponto que queria.
– A diferença vai estar aí. Quem for atrás e buscar. É isso. Tá na nossa mão tomar. A tão sonhada vaga que a gente tá buscando.
Itamar Schulle emocionado com gol do Santa Cruz em vitória sobre o Central — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Caixas de som e treino debaixo de vaia
Na semana de preparação para o jogo decisivo contra o Central, o treinador colocou caixas de som à beira do gramado durante um treino. Mandou colocar no volume mais alto e, cada erro dos jogadores, soavam vaias.
– O treino da quinta-feira foi debaixo de vaia. Era lateral errado? Vaia. Passe errado? Vaia. E alto – contou Itamar.
Ele revelou que usou a tática para preparar os jogadores para a pressão do jogo, que tinha previsão de estádio lotado.
– Nosso elenco tem jogadores experientes, mas é muito jovem. A gente planejou isso pra simular o jogo. Procuramos estar atentos a todas as coisas e blindamos o elenco – afirmou.
Torcida do Santa Cruz bateu recorde de público contra o Central — Foto: Marlon Costa/Pernambuco Press
Para estreitar o relacionamento com os atletas, Itamar Schülle tem o costume de convidar os jogadores para almoçar fora do clube. Ele escolhe o restaurante.
– Esses dias levei três atletas para almoçar. Chegamos no restaurante, veio a entrada, eles comeram tudo. Aí, quando veio o prato principal, tavam (cheios). Eles disseram: ‘professor, a gente não tá acostumado a vir em lugar assim’.
Mas ainda faltava a sobremesa. Itamar contou que sempre pede uma sobremesa que é a favorita dos jogadores.
– Tem uma sobremesa que só existe aqui. Acho que é um sorvete com bolacha de freira, alguma coisa assim. É uma delícia e eles sempre pedem. Todos esses pormenores, essas coisas, fazem o ambiente ficar mais tranquilo, mais leve – contou, em entrevista ao Podcast Embolada.
Em tempo: a sobremesa se chama “Sobremesa das Freiras” e é composta por sorvete com um biscoito típico, produzido em um Convento na cidade de Olinda por freiras. É servido em alguns restaurantes pernambucanos.
Itamar Schülle também contou pequenas brincadeiras no dia a dia da concentração, como certa vez em que trocou de lugar com o barbeiro quando o jogador não estava vendo.
– Às vezes eu pego a navalha, eu mesmo faço a barba dele, aí pego e pergunto: você tá bem comigo? Tá tudo bem entre a gente?!
Todas essas práticas, além de motivar e preparar o grupo, servem para quebrar a rotina pesada do futebol, conta o treinador.
– Vejo no dia a dia. A gente vai pra uma salinha de vídeo, analisa o adversário e vai para o treino. Isso se torna rotineiro. O atleta já sabe que é a mesma coisa, fica enjoativo. Então, às vezes, eu vou lá e coloco um vídeo nada a ver. Uma piada ou uma brincadeira, uma entrevista dos atletas quando falam alguma besteira. Um vídeo de um atleta famoso, aí mostro, não é o careca aqui que tá falando, olha quem vai falar. E assim vai.
Técnico Itamar Schülle na partida entre Santa Cruz e Retrô, no Arruda — Foto: Marlon Costa / Pernambuco Press