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F1

Da anomalia à consistência: como Ferrari voltou aos trilhos e já ameaça até McLaren

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(Foto: Lillian SUWANRUMPHA / AFP)

A Ferrari precisou se reinventar (mais de uma vez) ao longo de 2024, para enfim se colocar como um elemento crítico na batalha entre McLaren e Red Bull, diante ainda de uma reta final imprevisível. Mas até chegar a esse ponto, Frédéric Vasseur e seus comandados viveram uma gangorra de emoções, especialmente diante da decisão de recuar no desenvolvimento e quase ter de recomeçar do zero. A malograda atualização do GP da Espanha comprometeu a performance e, por pouco, não anulou a capacidade ferrarista de voltar a vencer. Agora, os italianos parecem prontos para o confronto.

A verdade é que foi necessário reorganizar a casa por completo, após um início bastante promissor. Ainda que a vitória de Carlos Sainz logo na Austrália tenha um toque do destino, o trabalho em Maranello seguiu um caminho sólido que culminou com o triunfo esplendoroso de Charles Leclerc em Mônaco. Naquele ponto, o campeonato vivia uma inesperada mudança de rumo, e os ferraristas já dividiam as atenções com a recém revisada McLaren, além de uma Red Bull que se via em apuros. Mas aí veio um esquisitíssimo GP do Canadá, e uma pulguinha começou a incomodar a coçar a orelha de Vasseur. Até por isso, os engenheiros aceleraram as inovações.

Como de costume, uma série de atualizações foi preparada para Barcelona. Afinal, o circuito catalão ajuda a entender melhor os dados, uma vez que tem trechos para todos os gostos — de reta a curvas de alta velocidade e partes mais lentas. Não à toa, foi lá que o pior momento da Ferrari teve início. A alteração promovida no assoalho se mostrou equivocada. Porque a SF-24 perdeu uma de suas melhores características: o equilíbrio da carga aerodinâmica. Mais uma vez, o regulamento do efeito solo colocava os aerodinamicistas à prova.

O caso é que o time se viu às voltas com o odioso porpoising, e isso tirou o sono dos ferraristas, porque impôs um atraso considerável em termos de evolução técnica na comparação com as adversárias. O modelo vermelho se tornou mais arisco devido ao maior nível de downforce, consequência do redesenho do fundo do carro. O fenômeno acabou ainda por tirar a confiança dos pilotos, que passaram a se queixar da imprevisibilidade da SF-24 que perdera por completo a identidade.

E enquanto a McLaren crescia a olhos vistos e ensaiava uma disputa mais acirrada com a Red Bull, a Ferrari teve de recuar e ir buscar soluções lá trás, para enfrentar as rivais na Áustria e na Inglaterra — as etapas seguintes. Na Hungria, os engenheiros promoveram uma revisão do assoalho e partiram deste ponto para Bélgica — etapa em que Leclerc obteve uma pole surpreendente e acabou no pódio. Mas essa fase do campeonato também acompanhou o ressurgimento da Mercedes. Que venceu três das quatro corridas finais da primeira metade de 2024.

Ainda assim, foi preciso um estudo maior sobre o que havia provocado o retorno dos quiques. Então, a equipe recorreu ao túnel de vento e todas as simulações possíveis, até encontrar o que chamou de anomalia — isso levou meses, incluindo o período de pausa das férias do verão europeu. “Nunca temos certeza absoluta das atualizações que trazemos”, disse Jock Clear, chefe de engenharia da Ferrari. “Mas descobrimos que havia alguma anomalia entre o túnel de vento e os dados que tínhamos na pista, então precisávamos entender o que estava acontecendo.”

“Você descobre uma anomalia, analisa e tenta entendê-la e depois volta aos trilhos. E foi isso que fizemos, então estamos de volta ao caminho certo. Agora temos de manter os olhos bem abertos para evitar outra possível anomalia, porque às vezes a atualização não funciona: o processo de crescimento consiste realmente em tentar algo novo todas as semanas”, emendou o inglês.

“Estamos agora convencidos de que nosso processo de crescimento está funcionando e acreditamos que estamos no controle de tudo. Mas também vamos esperar pela próxima casca de banana…”, brincou. “E com o efeito solo devemos sempre tentar limitar as perdas de carga aerodinâmica, porque, em 5mm de altura, se pode perder todo o downforce ou gerar a carga máxima. É nesta área restrita que se joga o jogo da competitividade na F1”, decretou Clear.

E é um fato: após as férias, a Ferrari realmente deu um salto. Embora o GP dos Países Baixos tenha representado um desafio, Leclerc foi capaz de garantir o pódio. Uma semana depois, venceu na Itália, em uma demonstração não só de força, mas também de inteligência da garagem ferrarista. A configuração adotada em Monza, em um equilíbrio entre a velocidade de reta e a carga aerodinâmica, permitiu ao monegasco lançar mão de uma estratégia arriscada de uma única parada, o que surpreendeu a McLaren. Foi um triunfo histórico, na verdade.

Mais tarde, Charles revelou enorme performance no Azerbaijão. Conquistou a pole e parecia soberano. No entanto, ao subestimar o adversário, acabou derrotado. Mesmo assim, foi capaz de permanecer firme na luta contra Oscar Piastri.

Embalada pelo desempenho em Baku, a Ferrari se mostrou forte também em Singapura, mas acabou longe da briga após erros dos dois pilotos durante a classificação. Leclerc perdeu a chance de uma disputa de pole ao vacilar no fim do Q3 e ter voltas deletadas, enquanto Sainz foi parar no muro. Ainda que o dono do carro #16 tenha se recuperado, foi pouco diante do potencial ferrarista. E essa é a única ressalva que se faz sobre os italianos neste momento. Porque o espanhol também se envolveu em um acidente na penúltima volta no GP azeri, quando tentava chegar ao pódio.

É verdade que a engenharia em Maranello foi hábil e soube como dar a volta por cima, mas é imperativo que a esquadra não deixe passar as oportunidades. Porque há, sim, enorme qualidade na SF-24. “Acho que se continuarmos consistentes e não perdermos chances, faremos a conta no final e espero que seja o suficiente para conquistar o Mundial de Construtores. Mas em ritmo puro, não acho que estamos no nível para lutar pelo título de construtores. Não nos vejo assim, mas se eles cometerem erros, podemos acabar na disputa como estamos agora”, explicou Charles.

“E por mais que as duas últimas corridas tenham sido boas, acho que sempre dissemos que precisávamos ter cuidado para não ter expectativas erradas, porque a McLaren ainda tem um carro melhor que o nosso, tipo, um pouco”, continuou o monegasco. “Há pistas em que estaremos mais próximos, outras onde estaremos mais distantes.”

Leclerc tem razão quando acredita que a consistência será um ponto importante para a Ferrari. Afinal, foram atuações contundentes nesta volta das atividades da F1. A escuderia está cada vez mais perto e possui tudo o que é preciso para brigar em uma temporada que segue imprevisível, também pelos erros de quem briga na ponta. Líder do campeonato, a McLaren possui 41 pontos de diferença para a Red Bull, que tem 34 de frente para os ferraristas, em terceiro. Restam seis etapas e três sprints. Ou seja, pouco mais de 300 pontos em disputa. Portanto, há muito jogo até o GP de Abu Dhabi.

Fórmula 1 agora faz longa pausa e retorna de 18 a 20 de outubro em AustinEstados Unidos, início da perna americana da temporada 2024.

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