Foto: Icon Sport)
O atacante Richarlison sempre deu mostras de ser um jogador diferente no extracampo. Ligados a causas sociais, o jogador do Tottenham não deixa de se posicionar sobre assuntos importantes no Brasil, como quando faltou oxigênio em Manaus na crise da Covid-19 e ele doou cilindros para capital amazonense. Agora, o camisa nove busca conscientizar e influenciar pessoas a procurar a psicologia em momentos que a cabeça não estiver boa, se utilizando como exemplo que a ciência dá certo.
Após a Copa do Mundo de 2022, Richarlison viveu uma péssima fase em campo, explicada, em parte, por problemas pessoais revelados em setembro do ano passado, ao afirmar que pessoas ao seu redor estavam de olho apenas em seu dinheiro. Ele iniciou o trabalho com uma psicóloga após esse momento e conseguiu recuperar-se depois da instabilidade. Desde dezembro, o atacante marcou nove gols nas últimas 10 rodadas da Premier League e ajudou a colocar o Tottenham na briga por vaga na próxima Champions League.
— Agora que eu faço, eu posso falar, os jogadores precisam procurar um psicólogo. Estou muito feliz de estar fazendo. Antes eu tinha um preconceito, pensava ‘eu não tô ficando louco, não tô maluco’. Lá na roça onde eu morei é assim, pessoal no interior é assim: ‘Você vai fazer psicólogo? Você é doido’. Não tenho mais esse preconceito. Estou conseguindo fazer — disse o centroavante da Seleção Brasileira ao canal Desimpedidos, no YouTube, emendando:
— Me sinto 100%, com a mente aliviada, posso desabafar e falar tudo com a minha psicóloga, é muito legal. Às vezes eu sofria com lesões aqui no Tottenham e eu não sabia o porquê, eu sempre estava preparado, treinando bem e vinha umas lesões nada a ver, na panturrilha, coxa. Aí foi quando falei com os médicos [do clube, para entender as lesões], me perguntaram se eu tinha problema em casa e eles me pediram para procurar um psicólogo. […] [Agora] No meu Instagram chove de mensagens pedindo o contato da psicóloga para poder fazer também porque todos viram minha evolução — completou.
Para entender a fala de Richarlison e se o mental causa impacto no físico de um jogador, a Trivela ouviu João Ricardo Cozac, psicólogo do esporte e presidente da Associação Paulista da Psicologia do Esporte e do Exercício.
O psicólogo do esporte, que já trabalhou em clubes e hoje atende individualmente atletas da elite do Campeonato Brasileiro, afirmou que existem estudos que confirmam a ligação entre o emocional e o físico, podendo impactar (positiva ou negativamente) no desempenho no futebol.
— Existe uma relação íntima entre as questões físicas com as mentais e emocionais. Existem ciências já que estudam com uma psicossomática que comprova que muitas doenças e muitos fenômenos que ocorrem no corpo têm origem no campo emocional. E no futebol isso costuma acontecer bastante. Por exemplo, em casos de atletas que estão muito nervosos, há um acúmulo do ácido lático, o que promove câimbras precoces nos jogos. Jogadores que estão muito inseguros podem sofrer impactos na concentração, o que certamente pode causar uma queda de qualidade e de alto rendimento [em campo].
Além do impacto direto no nível de jogo apresentado, a falta de concentração de um jogador em campo por algum problema externo também pode causar lesões, afirma Cozac:
— Questões relacionadas à saúde emocional vulnerabilizam e fragilizam os jogadores a terem lesões no campo físico. […] O jogador mal psicologicamente vai ter um menor controle sobre seu corpo. Ele vai ter maior predisposição a não ter atenção devida diante dos seus movimentos. A desatenção pode expor o atleta a lesões no alto rendimento. A vida pessoal do atleta, o campo mental, afetivo e social, tudo isso pode ter relação estreita com a segurança, com a ação esportiva, a confiança e a assertividade. E se você não tem confiança, não tem assertividade, você não está seguro de se você está completamente vulnerável a ter lesões.
Uma lesão que tire o atleta de combate por um longo período é outro ponto a se destacar o trabalho da psicologia. A depender da gravidade do problema físico, jogadores podem ficar de fora por longos meses, momento até um tanto solitário para quem está impedido de exercer sua profissão. Cozac aponta a importância de existir um profissional voltado para saúde mental dentro dos clubes de futebol para identificar qualquer problema que o jogador possa ter nesse período.
— Um jogador quando se lesiona passa por reações psicoemocionais bastante contundentes e essas reações devem ser acompanhadas pelo psicólogo do clube. É muito importante que os clubes tenham profissionais também para acompanhar o período de recuperação e depois, e não só de recuperação, mas o período quando os atletas vão retornar ao campo de jogo, eles [jogadores] precisam muito ter a confiança do retorno. Então, durante todo o período de lesão é fundamental a participação e proximidade com psicólogos do esporte.
Vale citar que, segundo levantamento da Trivela em setembro de 2023, apenas metade dos clubes do Brasileirão contam com psicólogo para o time principal.
Preconceito citado por Richarlison em cidades no interior também se reflete no futebol
Em sua fala, Richarlison detalhou o preconceito com a psicologia que havia na cidade onde nasceu. Esse exemplo também pode ser transportado ao futebol, especialmente o brasileiro, ainda um meio machista que não permite que o jogador fale sobre seus sentimentos porque será sinônimo de fraqueza.
– Existe um preconceito ainda muito grande quando a gente aborda as questões psicológicas e emocionais. O futebol tem uma visão extremamente machista, de força física. Não é à toa também que a gente tem tantos casos silenciosos de depressão no futebol. Trabalho com vários jogadores aqui das séries A, B e C do Brasil e posso atestar que existe um aumento significativo de casos de depressão, muitas vezes pela falta de espaço que esses atletas têm para poder verbalizar as suas dificuldades, as suas fragilidades, com medo de serem taxados de fracos. Há também muito pouco conhecimento de dirigentes e treinadores sobre os benefícios da psicologia do esporte enquanto área fundamental da alta performance e também enquanto saúde, saúde pessoal vinculada à parte mental – explicou o psicólogo do esporte.
Parte desse preconceito fica explicito quando vemos que a Seleção Brasileira não conta com um profissional nessa área. Ao Desimpedidos, Richarlison revelou como ficou abalado após a Copa. Segundo Cozac, o trabalho de um psicólogo na delegação do Brasil poderia ter ajudado o elenco a ter superado melhor o revés.
— A Seleção Brasileira já deveria ter um psicólogo há décadas, trabalhando com a equipe, um profissional da CBF mesmo, atento às questões cotidianas na equipe, nos amistosos, principais campeonatos, Copa América, Copa do Mundo, etc. A psicologia ajuda o atleta a se fortalecer no seu autoconhecimento, na sua autoestima, na sua condição pessoal, assim ele encara melhor, de uma forma mais positiva e saudável, as condições de adversidade. Com essa preparação, eventuais derrotas ou frustrações perderão a força do impacto negativo, para além do que já tem revezes e eliminações. O problema é que a CBF também é uma instituição que insiste que o trabalho psicológico não é necessário e o Brasil vai se tornando assim uma das poucas seleções no mundo que não tem trabalho de psicologia, ficando atrás obviamente de outras grandes seleções do mundo — concluiu João Ricardo Cozac.
Trivela