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Principal destaque do Cruzeiro, Matheus Pereira fez um forte desabafo. Em carta publicada pelo site “The Players Tribune” nesta quinta-feira (18), o meia-atacante escreveu sobre momentos difíceis vividos durante sua carreira no futebol.
Pereira, que hoje veste a camisa 10 do Cruzeiro, seu time do coração, abriu o jogo sobre depressão, pensamentos suicidas* e vida nas drogas e alcoolismo. Por fim, o jogador celebrou a oportunidade na Toca da Raposa II e o reencontro consigo mesmo.
“As pessoas podem dizer que hoje eu estou bem. Sim, eu estou. Ou que estou melhor. Melhor do que antes, sem dúvida. Mas sofri bastante até me recuperar. É difícil para os outros entenderem porque ninguém está dentro de mim”, disse o jogador.
“E, sinceramente, eu não faço ideia de como as coisas chegaram ao ponto de eu desejar me jogar do 19° andar de um hotel em Abu Dhabi. Acho que quase tudo passa pelo futebol, não sei. Os meus vazios, as coisas que eu fazia para preenchê-los, a minha queda, minha salvação”, complementou.
Imigrante ilegal e drogas em Portugal
Matheus relatou o início difícil em Portugal. Ele revelou que chegou ao país como imigrante ilegal, o que o impedia de jogar futebol profissionalmente. “Passei dois anos no Sporting só treinando. Não podia jogar nas competições por ser um imigrante ilegal. É uma condição desconfortável essa, de medo e insegurança”, escreveu.
Depois de conseguir regularização e atuações consistentes pelo Sporting, Matheus Pereira precisou lidar com a separação dos pais e uma jornada sozinho, vivendo no CT do clube. “Vivendo no CT, mais uma vez sem ninguém olhando por mim ou me falando sobre as coisas importantes, eu fui brincar na beira do abismo”, relatou.
“Me juntei à rodinha da maconha e passava muito, muito tempo chapado. Também bebia um monte e gastava o dinheiro que sobrava em baladas. Depois me sentia um trapo, um miserável. Me culpava de um jeito insuportável ao imaginar a tristeza dos meus pais se eles soubessem”, complementou o jogador.
Saídas do Sporting
Na carta, Matheus conta duas vezes em que deixou o Sporting. Em ambas, o jogador precisou lidar com a depressão. Na primeira, em 2017, ele atuou pelo Chaves, também de Portugal. O meia-atacante retornou ao Leões no ano seguinte, mas não se firmou e foi emprestado ao Nurnemberg, da Alemanha.
“Mas mal bati de volta em Lisboa e tive que me mudar outra vez. Alemanha. Fui emprestado pro Nuremberg. Eu não falava alemão, inglês, francês, nenhum outro idioma além do português. Então foi o período que eu vivi mais calado na minha vida”, relatou.
“Tá bom, eu sei que é difícil de entender pra quem olha de fora. Nem eu mesmo consigo explicar. Só posso dizer o que eu sentia: a tristeza e o fracasso corroendo cada pedaço do meu corpo”, complementou.
Novas mudanças e depressão — alerta de gatilho
Em 2019, o Sporting emprestou Matheus ao West Bromwich, da Inglaterra. Na Premier League, o jogador conta que viveu seu auge no quesito regularidade. Após duas temporadas consistentes, porém, o clube precisou aceitar uma oferta do Al Hilal, da Arábia Saudita.
“Era o tempo da pandemia de Covid, e os clubes resolveram segurar os investimentos. Apareceu uma proposta absurda do Al-Hilal, da Arábia Saudita, e eu me mudei mais uma vez”, disse.
“Fiquei com medo do que essa nova mudança faria com a minha cabeça, mas era muito boa financeiramente. Conversei com a minha esposa e decidimos aceitar. Não demorou pro declínio psicológico reaparecer. Nem sempre existe uma causa específica, acho que é mais o conjunto de uma vida inteira, mas, morando em Riad, eu senti falta da minha igreja”, complementou.
Após muita tristeza, Pereira deu detalhes da saída do Al Hilal. “Pedi pra sair do Al-Hilal sem saber aonde ir. Naquela altura, eu não queria ir pra lugar nenhum. Eu não queria nada, não tinha mais prazer em nada, não prestava pra nada. Eu era um nada. Já tinha desistido de jogar futebol”, escreveu.
Tentativa de suicídio — alerta de gatilho
Matheus contou que teve chance de se transferir para o Corinthians naquela oportunidade. Contudo, o estado psicológico poderia ser ainda mais afetado ao jogar em um clube “com muito foco da mídia”, relatou. Depois de recusar o clube paulista, o meia-atacante acertou com o Al-Wahda.
“O clube era o Al-Wahda, que colocou a gente pra morar num hotel de luxo, no apartamento do 19° andar. Até hoje a minha esposa diz que a vista lá de cima era linda. Eu não lembro de ter olhado algum dia pra ela. Pra mim era tudo escuridão e desespero. Eu estava cansado de lutar. Estava cansado de ficar cansado. Eu queria me livrar de tanto sofrimento que eu nem entendia de onde vinha. Tinha noite que eu bebia três garrafas de vinho. Treinei bêbado várias vezes e fiquei outras tantas internado no hospital com hipocalemia, tomando soro pra tratar a falta de potássio no sangue, porque eu não me alimentava, só ingeria álcool”, contou.
“Até que um dia eu abri a janela do nosso apartamento com vista espetacular e só não me joguei porque a minha esposa foi mais rápida. Ela me agarrou, me puxou pra dentro e a gente ficou um tempão chorando abraçado ali no chão da sala, sabendo que não era o fim — nem o meu, nem o do meu sofrimento”, complementou.
Reencontro no Cruzeiro
Por fim, Matheus fecha a carta destacando a redenção no Cruzeiro. Contratado em meados de 2023, ele realizou o sonho de atuar pelo clube do coração. “Se podia dar certo, se havia alguma esperança, o Cruzeiro era o meu único caminho. Juntei as minhas coisas em Portugal e, ansioso, pela primeira vez fiz uma grande mudança por livre e espontânea vontade”, disse.
“No Cruzeiro eu reencontrei mais do que paz. Eu me reencontrei. Parece bobagem, mas não é. Porque no meio da escuridão, e eu andei muito por lá, a coisa mais difícil que tem é a gente se reconhecer. E isso piora demais uma situação que já está ruim. A gente não sabe mais quem é”, disse Pereira.
O jogador do Cruzeiro fechou a carta destacando a importância da terapia.
“Eu tô aqui de prova. A terapia me ajudou demais, e Deus me mostrou uma luz no fim do túnel. No meu caso, a luz das estrelas, que me guiaram na escuridão e recolocaram brilho nos meus olhos. Era o futebol me estendendo a mão — sim, mais uma vez”.
*Este texto contém gatilhos. Se você ou alguém que conhece precisa de ajuda, entre em contato com o Centro de Valorização da Vida pelo número 188. O atendimento é gratuito e 24 horas.
CNN